Saúde

Carência e Desafios da Força de Trabalho em Enfermagem

Ruth Moniélly
16 de setembro de 2025
5 min
Carência e Desafios da Força de Trabalho em Enfermagem

A força de trabalho em enfermagem sustenta a engrenagem dos sistemas de saúde e tensiona, todos os dias, a promessa do direito à saúde. Persiste, contudo, um cenário de escassez, má distribuição regional, envelhecimento e rotatividade que corrói a capacidade de resposta do sistema. Ao analisar a composição da categoria no Brasil, Oliveira, Mion, Galante, Di Donato e Ventura (2024) evidenciam que o crescimento total ocorreu de modo assimétrico, com expansão sobretudo entre técnicos e auxiliares, enquanto o contingente de enfermeiros de nível superior avançou mais lentamente. O dado é expressivo. Produz desequilíbrios na qualificação das equipes e empurra, em muitos serviços, o cuidado direto para profissionais de nível médio, com menos respaldo para coordenação do processo terapêutico. Soma-se a isso a desigualdade regional: como ressaltam Oliveira et al. (2024), Norte e Nordeste permanecem com baixa densidade de enfermeiros, ao passo que o Sudeste concentra a maior parte, reiterando desigualdades históricas de acesso.

Também o perfil etário da categoria revela tensões pouco visíveis no cotidiano. Predominam profissionais entre 36 e 55 anos e, com a tendência de envelhecimento descrita por Oliveira et al. (2024), aproxima-se um ciclo de aposentadorias que pode desestruturar serviços inteiros, sobretudo onde há menor capacidade formativa. Não se trata apenas de repor números, mas de recompor experiência, julgamento clínico e lideranças institucionais. O tempo de formação de enfermeiros de nível superior é mais longo, e isso impõe uma janela de planejamento que frequentemente não é observada. Sem reposição planejada, a perda de competências acumuladas torna-se inevitável. E quando a transição se dá às pressas, a curva de aprendizagem pesa sobre equipes já pressionadas.

Mendes, Martins, Acordi, Ramos, Brehmer e Pires (2022) reforçam esse quadro ao indicar a baixa proporção de enfermeiros no conjunto da força de trabalho, diferentemente do observado em países desenvolvidos. A composição, como lembram os autores, responde a escolhas políticas e a limites de investimento em educação em saúde, mas gera efeitos práticos: autonomias reduzidas, menor capacidade de liderança clínica e menor lastro para inovação assistencial. A dificuldade de retenção agrava o quadro, pois salários baixos, sobrecarga, jornadas extensas, condições insalubres e ausência de reconhecimento alimentam rotatividade, adoecimento e abandono. O salto merece atenção. Não é apenas remuneração, é também progressão na carreira, estabilidade contratual e sentido de pertencimento no serviço.

No plano global, a Organização Pan-Americana da Saúde (2023) e a Organização Mundial da Saúde vêm alertando para a escassez de enfermeiros e projetam déficit de quase seis milhões até 2030, com maior impacto em países de baixa e média renda. A pressão demográfica se combina ao envelhecimento da categoria e à migração internacional em busca de melhores condições de trabalho, fenômeno que redistribui capacidades sem necessariamente ampliar o estoque global. Há vazios que se consolidam em áreas rurais e periféricas. No Brasil, essa dinâmica se soma à migração interna descrita por Mendes et al. (2022), com deslocamentos das regiões menos desenvolvidas para capitais e áreas metropolitanas em razão de salários, infraestrutura e oportunidades de carreira, o que amplia a desigualdade regional e aprofunda assimetrias já conhecidas.

Os efeitos da carência repercutem no cuidado de maneira imediata e silenciosa. Equipes reduzidas ou com predominância de profissionais de nível médio acumulam tarefas, reduzem tempo de escuta e veem a segurança do paciente ameaçada, com aumento do risco de erros e de eventos adversos. A sobrecarga cansa, física e emocionalmente. Em tais condições, iniciativas de prática baseada em evidências perdem tração, a coordenação do cuidado se fragiliza e a educação permanente fica em segundo plano, quando não é abandonada. A consequência é um circuito de baixa qualidade, que repercute na satisfação de pacientes e trabalhadores e estreita a margem de melhoria contínua.

Diante desse quadro, Oliveira et al. (2024) defendem políticas de interiorização da formação e do trabalho em enfermagem, com incentivos para formar e fixar profissionais em regiões carentes, articulando instituições formadoras e serviços locais. A proposta é clara: aproximar oferta e necessidade, reduzir vazios assistenciais e fortalecer capacidades regionais. Como argumentam Mendes et al. (2022), ampliar vagas de formação sem valorização profissional e sem melhoria das condições de trabalho produz efeitos limitados. Importa combinar remuneração compatível, carreiras com progressão transparente, qualificação continuada e ambientes saudáveis. Programas de incentivo financeiro, bolsas de fixação em áreas remotas e apoio estruturado ao desenvolvimento profissional surgem como caminhos promissores, desde que sustentados e monitorados.

Nesse contexto, o envelhecimento da força de trabalho demanda um planejamento específico. A substituição de profissionais próximos da aposentadoria precisa ser acompanhada por programas de mentoria, estágios supervisionados e estratégias de transmissão de conhecimento entre gerações, para preservar o capital humano acumulado. Há experiência que não cabe em protocolos e cuja perda custa caro. Políticas de saúde do trabalhador devem ganhar densidade, considerando o adoecimento associado à sobrecarga, ao estresse e aos riscos ocupacionais, com medidas que incluam proteção psicossocial, adequação de quadro e melhorias ergonômicas. Preparar a transição etária com cuidado é investir em continuidade.

A carência de profissionais de enfermagem, no Brasil e no mundo, decorre de um conjunto articulado de fatores: composição desequilibrada da força de trabalho, desigualdades regionais, condições laborais precárias, envelhecimento e problemas de retenção. Exige-se abordagem integrada, que una expansão qualificada da formação superior, incentivos regionais, valorização profissional e ambientes de trabalho capazes de sustentar práticas seguras. Sem esse movimento combinado, a escassez seguirá corroendo a sustentabilidade dos sistemas de saúde e a qualidade da assistência. O desafio é estrutural, e a janela de ação se estreita.

Referências Mendes, M., Martins, M. S., Acordi, I., Ramos, F. R. S., Brehmer, L. C. F., & Pires, D. E. P. (2022). Força de trabalho de enfermagem: cenário e tendências. Revista de Enfermagem da UFSM, 12, e11. Recuperado de https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/67928 Oliveira, A. P. C., Mion, A. B. Z., Galante, M. L., Di Donato, G., & Ventura, C. A. A. (2024). Stock, composition and distribution of the nursing workforce in Brazil: a snapshot. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 32, e4287. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1518-8345.6937.4287 Pan American Health Organization (PAHO). (2023, 12 de maio). Reducing shortage of nurses key to better respond to the next pandemic. Recuperado de https://www.paho.org/en/news/12-5-2023-reducing-shortage-nurses-key-better-respond-next-pandemic