Sustentabilidade

Inovação e Sustentabilidade na Gestão da Cadeia Produtiva do Algodão no Brasil

Ruth Moniélly
16 de setembro de 2025
6 min
Inovação e Sustentabilidade na Gestão da Cadeia Produtiva do Algodão no Brasil

Quarta em produção e segunda em exportação, a cotonicultura brasileira consolidou presença robusta no comércio mundial. Essa inserção ganha peculiaridade com a predominância do cultivo em regime de sequeiro e com a certificação que abrange parcela significativa da safra, atributos que reduzem o uso de água e agregam reputação internacional, como registra o panorama recente (Versi, 2024). O efeito é notável. Ainda assim, a trajetória não se fecha sem fissuras: a despeito do volume e da qualidade da fibra, persistem entraves de natureza estrutural e econômica que comprimem a agregação de valor. A indústria têxtil, peça-chave para transformar a commodity em bens com maior conteúdo tecnológico e simbólico, cresce em ritmo menor do que poderia. Parte da explicação reside no custo-país e em lacunas organizacionais, o que rebaixa margens e alonga prazos. O potencial está dado, a captura permanece incompleta.

No tecido produtivo nacional, a agroindústria têxtil opera como vetor relevante de renda e emprego. Estima-se ocupação direta para mais de 1,3 milhão de pessoas, número que atesta capilaridade e dinamismo setorial. Em termos proporcionais, isso corresponde a 16,7% dos empregos industriais e a 2% do PIB, o que revela densidade econômica. O faturamento alcançou R$ 161 bilhões em 2020, e o dado é expressivo (Future Print, 2023). Pelo lado indireto, cerca de 8 milhões de trabalhadores conectam-se às etapas complementares da cadeia, em elos que se estendem do campo ao varejo, com efeitos multiplicadores significativos (Group, 2019). A infraestrutura, porém, cobra pedágio. O escoamento enfrenta acréscimos entre 30% e 40% por precariedades em estradas, portos e aeroportos, comprimindo competitividade interna e externa. Trata-se de um gargalo que contamina preços e prazos, com impacto notável sobre a previsibilidade.

A sustentabilidade tornou-se ponto de inflexão e, em simultâneo, de cobrança pública. Nas últimas décadas, a indústria têxtil passou a ser descrita entre a segunda ou a terceira mais poluidora do planeta, a partir do uso intensivo de água, pesticidas e substâncias tóxicas, quadro que se repete com variações regionais e forte atenção regulatória (Ferreira, 2022). Para fabricar uma única camiseta de algodão, estimam-se cerca de 2.700 litros de água, um consumo que impressiona e tem implicações para áreas de estresse hídrico (WWF, 2023). Não por acaso, o colapso do Mar de Aral figura como alerta concreto sobre práticas de irrigação mal calibradas.

No Brasil, a exposição de trabalhadores a agrotóxicos na cotonicultura associa-se a doenças neurológicas e a câncer, o que qualifica a urgência de alternativas mais seguras e ambientalmente responsáveis (OPAN, 2022). Entram nesse horizonte o algodão orgânico, a rotação de culturas e as fibras coloridas desenvolvidas pela Embrapa, que reduzem o uso de corantes e de químicos, propostas que conjugam inovação e mitigação de impactos (Embrapa, 2023). É uma agenda de transição, promissora, porém exigente.

Da política agrícola derivam travas e possibilidades em igual medida. A Lei n. 8.171/1991 fixou diretrizes voltadas à sustentabilidade e à competitividade, ao menos no plano formal, e abriu margem para instrumentos econômicos e regulatórios com foco produtivo. Na prática, domina o tripé crédito rural, seguro agrícola e Pronaf, que favorece o financiamento da safra e deixa em segundo plano investimentos estruturantes, como apontado pela literatura setorial (Buainain et al., 2013).

Houve avanços, é verdade. Programas como o Plano ABC, orientados à agricultura de baixo carbono, introduziram mecanismos de inovação ambiental e de gestão de risco. Permanecem, contudo, insuficientes diante da complexidade da cadeia do algodão, que pede políticas combinadas de pesquisa, difusão tecnológica, regulação ambiental e segurança alimentar. O desafio é de coordenação e de horizonte temporal consistente.

Pelo lado tecnológico, há um salto já perceptível no campo. Maquinário de alta performance, agricultura de precisão e sensoriamento remoto elevaram a produtividade e refinaram o manejo, com ganhos de eficiência que não são triviais (Bélot; Barros; Miranda, 2016). Para que o movimento alcance a indústria, entretanto, políticas de estímulo à inovação precisam adensar o parque têxtil com tecnologias digitais, impressão 3D e princípios da indústria 4.0, criando novas rotinas de projeto, corte e acabamento. A mudança não é apenas de técnica, mas de processo. Para surtir efeito pleno, tal trajetória requer sinergia com melhorias logísticas e com previsibilidade regulatória, condição que reduz risco e custo de capital. Sem essa costura, parte da vantagem agrícola se dissipa no caminho. A oportunidade está posta, a execução será decisiva.

A dimensão social sustenta e, ao mesmo tempo, orienta escolhas. Além de gerar postos de trabalho e renda, a cadeia algodoeira opera por meio de associações como a Abrapa e o Instituto Brasileiro de Algodão, que se posicionam como mediadoras entre produtores e governo, articulando demandas por ajustes em linhas de crédito e por apoios que garantam maior segurança ao setor, inclusive em momentos de volatilidade acentuada (Alves et al., 2018). Essa organização coletiva fortalece a resiliência frente a oscilações de preço e a pressões internacionais, amortecendo choques e compartilhando informação útil.

Também tende a favorecer a difusão de práticas sustentáveis, na medida em que cria padrões, referências e incentivos. Há, nesse arranjo associativo, uma governança que aproxima a base produtiva de pautas tecnológicas e socioambientais. O saldo é positivo, embora a heterogeneidade regional continue a desafiar a capilaridade das soluções.

Conciliar produtividade, inovação e sustentabilidade deixou de ser opção e converteu-se em condição prática para o futuro do algodão brasileiro. O caminho passa por integrar políticas públicas eficazes, práticas agrícolas modernas, investimentos em infraestrutura e responsabilidade socioambiental, sem perder de vista a estabilidade macroeconômica que ancora decisões de longo prazo. Ao transformar a atual vocação de exportador de commodities em liderança industrial, abre-se espaço para maior valor agregado, para o fortalecimento tecnológico e para diferenciação por qualidade. A ambição é plausível. Com tal arranjo, o país tende não apenas a manter-se entre os maiores produtores, mas a destacar-se pela qualidade ambiental da produção e pelo impacto positivo sobre economia e sociedade. A janela está aberta, o tempo para aproveitá-la é finito.

Referências ABIT. Valor da produção de vestuário teve aumento de 0,5% em 2022. Disponível em: https://www.abit.org.br/noticias/valor-da-producao-de-vestuario-teve-aumento-de-05-em-2022. Acesso em: 16 set. 2025. ALVES, L. R. A.; BARROS, G. S. A. C.; BACCHI, M. R. P. Produção e exportação de algodão: efeitos de choques de oferta e de demanda. Revista Brasileira de Economia, v. 62, n. 4, p. 381-405, 2008. BÉLOT, J. L.; BARROS, E. M.; MIRANDA, J. E. Riscos e oportunidades: o bicudo-do-algodoeiro. In: AMPA; APROSOJA-MT; EMBRAPA. Desafios do cerrado: como sustentar a expansão da produção com produtividade e competitividade. Cuiabá: AMPA, 2016. BUAINAIN, A. M. et al. O tripé da política agrícola brasileira: Crédito rural, seguro e Pronaf. Brasília: MAPA, 2013. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/riscos-seguro/seguro-rural/observatorio-do-seguro-rural/estudos. Acesso em: 16 set. 2025. EMBRAPA. Pesquisas da Embrapa com algodão têm dois focos prioritários: fibras de alta qualidade e baixo impacto ambiental. Brasília: Embrapa, 2023. Disponível em: https://www.embrapa.br/50-anos/busca-de-noticias/-/noticia/80631760. Acesso em: 16 set. 2025. FUTURE PRINT. Indústria têxtil: os impactos e o futuro deste mercado no Brasil. Disponível em: https://digital.feirafutureprint.com.br/textil/industria-textil-os-impactos-e-o-futuro-deste-mercado-no-brasil. Acesso em: 16 set. 2025. GROUP, Febratex. O cenário da produção de vestuário e o papel do Brasil no setor. 2019. Disponível em: https://fcem.com.br/noticias/o-cenario-da-producao-de-vestuario-e-o-papel-do-brasil-no-setor/. Acesso em: 16 set. 2025. OPAN – OPERAÇÃO AMAZÔNIA NATIVA. Impactos da monocultura de algodão na saúde e ambiente em Mato Grosso. 2022. Disponível em: https://amazonianativa.org.br/wp-content/uploads/2022/12/OPAN_RT_Monocultura-algodao-MT-versao-PT-v2.pdf. Acesso em: 16 set. 2025. VERSI TÊXTIL. Moda e economia estão muito mais próximas do que você imagina. Disponível em: https://www.versitextil.com/post/moda-e-economia-est%C3%A3o-muito-mais-pr%C3%B3ximas-do-que-voc%C3%AA-imagina. Acesso em: 16 set. 2025. WWF. Impactos ambientais da produção de algodão. Disponível em: https://www.worldwildlife.org. Acesso em: 16 set. 2025.