Política

Mulheres e Política no Brasil: da luta histórica à busca por igualdade representativa

Ruth Moniélly
16 de setembro de 2025
6 min
Mulheres e Política no Brasil: da luta histórica à busca por igualdade representativa

Por séculos, desigualdades de gênero moldaram a política brasileira, comprimindo a presença feminina no espaço privado e bloqueando suas rotas de acesso ao poder. O patriarcado sedimentou expectativas e papéis que anexaram a mulher ao cuidado doméstico, silenciando sua voz pública. Como formula Beauvoir (1949), a mulher foi construída como o “outro”, em oposição a um homem erigido como sujeito universal. Não se tratou de efeito semântico apenas. Dessa designação brotaram hierarquias de autoridade, legitimidade e competência que atravessaram escolas, igrejas, partidos e parlamentos. Em chave interseccional, tal alteridade socialmente naturalizada colou-se a clivagens de classe e raça, multiplicando filtros de entrada e barreiras de permanência. O dado é expressivo: a sub-representação não é só numérica, ela contamina o que entra em pauta e quem pode falar em nome do conjunto.

Figuras decisivas, ainda assim, irromperam na história e deslocaram expectativas. A imperatriz Leopoldina exerceu protagonismo na articulação da independência, embora sua atuação tenha sido ocultada pelos relatos oficiais, como registra Del Priore (2016). Já Maria Quitéria quebrou códigos de gênero ao integrar tropas na luta pela independência da Bahia, recebendo reconhecimento público de heroína. Nísia Floresta, na metade do século XIX, abriu trilhas ao defender educação e cidadania para mulheres. E a princesa Isabel, ao sancionar a Lei Áurea em 1888, inscreveu um gesto de poder político em ambiente marcadamente masculino, como também lembra Del Priore (2016). Não se está diante de feitos fortuitos. Quando lembradas, essas trajetórias costumam ser lidas como exceções, leitura que conforta a norma e esvazia o conflito estrutural. Entre a celebração e o apagamento, monta-se uma pedagogia ambígua do reconhecimento.

No despontar do século XX, mobilizações feministas cobraram o voto e reorganizaram agendas. Em 1932, o Código Eleitoral reconheceu o sufrágio feminino, porém limitado às mulheres alfabetizadas, mostrando que a conquista formal não equivalia a inclusão ampla. Scott (2005) insiste que o gênero opera como categoria histórica de organização do poder, razão pela qual a lei, isolada, não produz igualdade substantiva de participação. Importam tanto os símbolos de cidadania quanto as regras de acesso, pois é nelas que se distribuem os custos de transpor filtros partidários. O salto merece atenção, mas pede prudência interpretativa: uma porta foi aberta pela legislação, enquanto outras permaneceram trancadas pelas práticas e pela cultura. Obstáculos materiais e simbólicos seguiram ativos, alguns explícitos, outros discretos, mas persistentes.

Com a redemocratização e a Constituição de 1988, direitos políticos e sociais das mulheres foram ampliados, estabelecendo igualdade formal entre os sexos. Esse rearranjo institucional favoreceu a eleição de lideranças femininas e, em 2010, culminou com Dilma Rousseff na Presidência da República. O percurso, no entanto, foi atravessado por ataques misóginos e por mecanismos de deslegitimação que expuseram o desconforto social diante de uma mulher no comando, como analisam Miguel; Biroli (2014). Não foi um detalhe do embate político. O episódio revelou um sistema que admite a presença feminina desde que não se transforme em autoridade reconhecida. Há um teto informal de aceitação e, quando ele é tocado, a reação vem com força disciplinadora. A distância entre a igualdade proclamada e a prática cotidiana mostrou-se larga.

A institucionalização de cotas de gênero em 1997, por meio da Lei nº 9.504, determinou que ao menos 30% das candidaturas fossem destinadas a mulheres. Depois, a legislação passou a vincular também o financiamento proporcional de suas campanhas, uma correção de rota necessária. Biroli (2018) e Miguel (2017), contudo, evidenciam o esvaziamento recorrente dessas medidas: legendas registram nomes apenas para cumprir a cota, sem estrutura ou suporte competitivo. As chamadas candidaturas laranjas escancaram um problema de desenho e de enforcement, quando a regra vira rito burocrático sem alterar o centro da distribuição de recursos e visibilidade. Cumprimento formal, desigualdade material preservada. Sem incentivos bem calibrados e sanções efetivas, a cota vira vitrine, não transformação.

Outro elemento decisivo ganhou nome e visibilidade recentes: a violência política de gênero. Ela se manifesta em agressões verbais e simbólicas e também em intimidações físicas contra mulheres que disputam ou ocupam cargos. Em 2021, a Lei nº 14.192 instituiu normas de prevenção e combate, reconhecimento importante que desloca o tema do invisível para o campo da responsabilização. Miguel (2017) sublinha que essa violência opera como mecanismo de dissuasão de candidaturas e de enfraquecimento de lideranças, reforçando desigualdades herdadas. O efeito silenciador é concreto. Ele eleva custos emocionais e materiais, encurta trajetórias e bloqueia a renovação. A eficácia da lei dependerá de denúncia oportuna, punição dos agressores e proteção robusta às vítimas.

Na comparação regional, o Brasil aparece com desempenho modesto. Países como México, Bolívia e Argentina avançaram ao adotar paridade absoluta, com regras claras de composição de listas. O México, após instituir paridade nas listas partidárias, aproximou-se de 50% de mulheres no Congresso, um salto que chama atenção. A Bolívia figura entre os percentuais mais altos desde 2010, apoiada em cotas rígidas combinadas com fiscalização efetiva. O contraste explicita o que falta por aqui: compromisso partidário e menor resistência cultural às mudanças. Onde a norma é inequívoca e monitorada, a mudança deslancha. Onde se mantêm zonas cinzentas, os arranjos antigos sobrevivem.

A educação, em paralelo, sustenta a possibilidade de emancipação política. Saviani (2019) destaca que a formação crítica e integral do sujeito é condição para o exercício pleno da cidadania, e o acesso das mulheres à escola foi decisivo para o surgimento de lideranças e para o questionamento dos papéis de gênero. Não basta, porém, escolarização. Mulheres altamente qualificadas enfrentam gargalos de financiamento, redes de apoio estreitas e preconceitos arraigados nas rotinas institucionais. Pesa quem indica, quem financia, quem acolhe e quem fecha portas. Capital escolar não se converte automaticamente em capital político. Educação amplia horizontes; a travessia exige tempo, cuidado e recursos.

A trajetória das mulheres na política brasileira combina conquistas e permanências, com avanços localizados e resistências de fundo. De Leopoldina a Dilma Rousseff, atravessando sufragistas, militantes da redemocratização e parlamentares contemporâneas, cada geração abriu caminhos que testaram a lógica patriarcal e alargaram possibilidades democráticas. A paridade de gênero, entretanto, permanece por realizar. O futuro da democracia no país depende de transformar igualdade formal em igualdade substantiva, garantindo não apenas o direito de estar, mas as condições de exercer poder em plenitude. Em outras palavras, é preciso redesenhar engrenagens, reorientar práticas e sustentar proteções que operem no cotidiano. A coerência entre discurso e ação, aqui, será a prova.

Referências BEAUVOIR, S. de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1949. BIROLI, F. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018. DEL PRIORE, M. Histórias e conversas de mulher. São Paulo: Planeta, 2016. MIGUEL, L. F. Democracia e representação: territórios em disputa. São Paulo: Editora Unesp, 2017. MIGUEL, L. F.; BIROLI, F. Feminismo e política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014. SAVIANI, D. Escola e democracia. 42. ed. Campinas: Autores Associados, 2019. SCOTT, J. W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 30, n. 2, p. 71-99, 2005.